quarta-feira, 8 de junho de 2011

Entrevista com Denise Paraná- biógrafa do Lula (11/2010)


DENISE PARANÁ

- Como surgiu a idéia do livro?

Eu era assessora do Lula, no escritório que ele tinha, no começo da década de 90 e fazia doutorado em história na USP, sobre um assunto que nada tinha a ver com ele. Mas eu, acompanhando o Lula e ouvindo histórias fantásticas da vida dele, descobri que não sabia que ele era uma tradução exata de milhões e milhões de brasileiros. Tudo o que acontecia assim, de mais importante, na história recente do país, acontecia dentro da família dele. Desde o sobrenome Silva de milhões de brasileiros, todas as doenças mais importantes, todos os dramas sociais, alcoolismo...a morte no parto da primeira esposa dele, tudo refletia um pouco da alma nacional, da nação brasileira e ao mesmo tempo ele era um personagem histórico essencial para entender a história contemporânea brasileira. Então eu cheguei pro Lula e propus o seguinte: falei L”ula, eu jogo os meus anos de trabalho de pesquisa, da tese, doutorado que eu tava fazendo no lixo, se você topar me dar a entrevista.” E ele falou: olha Denise, se você não for puxar meu saco, se você ajudar a me entender, eu topo”. E ai a gente começou o trabalho, que foi delicioso, assim, foram entrevistas emocionantes, ele chorava muito, se emocionava muito, eu entrevistei todos os irmãos, a família, foi, foi assim, muito, muito especial, bacana mesmo. 

Eu brincava com o Lula né? Por que a gente ia fazendo as entrevistas e eu via que aquilo tudo era absolutamente cinematográfico, tinha uma plasticidade, e uma dramaticidade, uma dramaturgia de cinema, aquilo era fantástico! Parecia um roteiro mal escrito, porque tudo se encaixava tão bem né? Que se você fosse pensar em um roteiro, não faria tudo tão encaixadinho né? Desde o sobrenome Silva, até tudo que acontecia no Brasil de mais importante, se você pegasse dados do IBGE por exemplo, tudo se encaixava na família do Lula de uma maneira fantástica assim, então, foi por isso que eu pensei nesse nome, Lula, o filho do Brasil. Porque ele é o retrato desses milhões e milhões de brasileiros assim. Retrato muito bem acabado. Foi isso.

-Bagagem Lula

O que é de fantástico no Lula, e eu acho que explica boa parte desse carisma que ele tem, é que ele consegue incorporar ao mesmo tempo, o símbolo do vencido, do marginalizado, do excluído social e do vencedor, daquele que deu certo. Ele consegue ser um pouco...ééé, aquela criatura do sistema e tal, e um pouco criador do próprio sistema. Então ele incorpora , uma série de relações sociais, de classes sociais, de símbolos, ele incorpora tudo ao mesmo tempo. Isso é uma coisa fantástica! Então ele consegue representar uma multiplicidade de brasileiros e brasileiras, que é uma coisa realmente incrível, inédita na história do país, do Brasil.

-Lula planejou ser o “Lula”

Então, eu acredito que isso nunca foi planejado por ele né? Ééé...o Lula foi ampliando,digamos assim, a família simbólica dele. Antes ele era o filho da dona Lindú, e era aquele que ia  estudar e que ia fazer com que a família tivesse melhores condições de vida. Depois ele era o presidente do sindicato e ia representar seus sindicalizados né? Operários. Depois ele se tornou presidente do PT e ia representar aqueles que votavam no PT e depois presidente do Brasil. E hoje, eu acho que ele representa um pouco a humanidade, assim, os países mais pobres da humanidade. Ele é um homem já internacional, ele não cabe só no Brasil. Ele é uma figura mais ampla que o próprio país. Então ele foi ampliando, digamos assim a família simbólica que ele tinha, essas pessoas que ele quer, com as quais ele se identifica. Que ele quer que tenham uma vida melhor.

-O momento “x”da vida de Lula

Olha é difícil...pergunta difícil....tinha um momento na vida do Lula que ele tinha vinte e poucos anos em que ele achou que ele estava absolutamente realizado. Ele era já um operário especializado, ele tinha acabado de casar com a mulher que ele mais amava na vida e essa mulher tava grávida. Ele tinha a casinha dele e tudo estava resolvido na vida dele. Ele se sentia um homem realizado. Inesperadamente no final da gravidez, essa mulher morre, o filho dele morre junto, e no velório, é...o corpo da mulher e do filho foram velados na própria casa que eles tinham e o assoalho até cede, era uma casa tão antiga, que os corpos quase caem no chão, e o Lula fala para as pessoas que estavam na casa: "olha minha família não é linda?Olha que bonita é a minha família." Ele fala, fala com ironia né? Depois disso se seguem três meses de depressão. E ele sente que o mundo dele tinha acabado completamente. Só que ele se ergue desse estado né? E começa a trabalhar no sindicato com tanto afinco, como se o sindicalizados fossem a família dele. Eu acho que aí começa esse interesse mais profundo de ajudar uma quantidade maior de pessoas. E entender que essas outras pessoas também podiam estabelecer relações tão amorosas e profundas como a própria família dele. Então acho que um pouco dessa liderança nacional,  e agora internacional, nasce desse momento de crise e de dor, uma espécie de renascimento, assim.

É uma loucura assim, porque ele acha que a vida dele absolutamente acabou assim, ele tinha certeza de que tinha acabado tudo. Ele fica três anos sem querer namorar, sem querer sair, os amigos puxando, vamos sair para festa e tal, e ele não tem mais o que fazer né? Tudo o que eu queria ser foi destruído e arruinado e de repente ele...é que como a vida da muitas voltas...ele transfere esse amor, essa necessidade de relações afetivas e profundas, esse desejo de ajudar e constituir uma família, pro sindicato. E ele vai se tornando um personagem tão forte no sindicato, que pra você ter uma ideia, a oposição e a posição do sindicato que brigavam anos e anos a fio, os dois num determinado momento, queriam o Lula como candidato à presidência...de tão importante e carismático que esse cara se tornou. 

Ali talvez nasce também, um pouco dessa capacidade dele de unir pólos mais opostos que foi fundamental pra que ele tivesse governabilidade, principalmente no primeiro mandato. E até hoje ele carrega, a ponto de ter no espectro de aliados as pessoas mais opostas possíveis.

Então, isso é uma riqueza, que eu acho que é um patrimônio que ele herdou da mãe dele, da dona Lindú né? Ela era uma mulher que até falo que no livro, ela não achava que vingança era um prato que se come...como é que é? Desculpa...é um prato que se come frio. Então, ela não achava que vingança era um prato que se come frio. Ela achava que vingança era um prato que não se come. Então ela nunca se vingava de nada, sempre via o lado positivo de todo mundo. O Lula herdou da mãe dele uma sabedoria e uma visão amorosa sobre o mundo, sobre as pessoas, sobre a humanidade, que é uma coisa ímpar, que todos os irmãos aliás, herdaram. E ao mesmo tempo o pai do Lula foi um personagem essencial, porque ele era um cara extremamente autoritário,despótico, cruel, e que excluía as pessoas, e a mãe incluía, então ele tem dois momentos completamente, dois personagens que representavam coisas completamente distintas. E ele conseguiu detestar essa posição paterna que era realmente brutal e extremamente violenta e injusta. E começar a acreditar, que o caminho, era o caminho da mãe, que era da inclusão. O pai, proibia que as crianças estudassem, que o Lula estudasse. E a mãe fazia com que as crianças fossem estudar, ainda que fosse escondido. O pai proibia que as crianças tivessem prazeres simples, como chupar sorvete, a mãe fazia tudo para que as crianças comessem as melhores coisas.Então ele ficou vivendo uma situação, que esses opostos de exclusão e inclusão eram essenciais na vida dele. E eu acho que isso foi muito importante, muito marcante, pro resto da vida dele. Quer dizer, tão importante, quanto a mãe com sua generosidade e o pai com sua brutalidade. Acho que os dois são essenciais.

-A educação

Um dos momentos, entre tantos marcantes, já na vida recente dele, quer dizer, pós as eleições 2002, é o momento em que ele é diplomado e chora no discurso ao dizer que aquele é de fato o segundo diploma, que até então ele só tinha o diploma do SENAI de metalúrgico. Você acha que pesou muito, e que ainda pesa, essa questão de não ter educação formal, de não ter feito faculdade, não ter chegado a um diploma, de que maneira ele, ele carregou isso até criar e fazer sempre todo o esforço do mundo pra incluir as classes menos abastardas na educação, criar o PROUNI, você acha que isso é muito forte...

A idéia de estudar, é um valor muito importante pra ele. Tanto é que a mãe, dona Lindú, escolheu como filho, o que seria uma espécie de cientista da família. Essa expressão é do próprio Lula, ela queria que ele estudasse, porque acreditava que o futuro melhor teria quem pudesse estudar, então a educação é um valor essencial. Eu estava analisando os dados do governo, os oito anos do governo anterior e do governo Lula, ele investiu o dobro, do que foi investido nos oito anos anteriores, com as correções monetárias e tal. Então isso é essencial pro Lula. Agora, o Lula é o cara, que gostando ou não, achando um bom político ou não, independentemente do caráter que a pessoa possa acreditar que o Lula tenha, não se pode negar que ele está numa categoria de gênio . Eu trabalhei com ele e fiz carreira acadêmica, pós doutorado em Cambridge e convivi com gente que ganhou nobel, eu nunca vi na minha vida ninguém tão inteligente quanto o Lula, ele assim, é aquele ditado, quando você vai com a farinha, o outro já voltou com o pirão, ele já voltou com o pirão, já comeu, já fez outro, já comeu, já sabe. Eu vi o Lula, acompanhei o Lula, muitas vezes com um monte de intelectuais e ele dava shows assim, a gente ficava um olhando pra cara do outro e falando assim, o que que é isso? É inacreditável. Então, ele faz uma coisa que as pessoas comuns não fazem, ele faz uma leitura direta da vida, digamos assim, só isso explica o tipo de história de vida que ele tem, o tipo de biografia, toda ascensão e o reconhecimento que ele tem, não só interno, no país, mas no mundo inteiro.

-Político x homem

Eu não vejo nenhuma dicotomia, nenhuma contradição aí, ele é extremamente honesto e transparente, as pessoas notam isso, por isso que gostam dele sabe? Ele sabia um dia, no natal passado, que ele estava sendo fotografado, ele botou um a caixa de isopor na cabeça...latinhas de cerveja e calção na praia e saiu andando, ele sabia que aquilo ia pra internet, pros jornais. Aquilo é ele, ele não está fazendo pose, e eu acho que as pessoas percebem, isso compõe aí esse carisma dele.

-A entrada na vida sindical

Então, ele tinha um irmão, Lula tinha um irmão, quatro anos mais velho, que tem o apelido de Frei Chico, que era um militante do partido comunista, um militante clandestino, era um sindicalista, um cara que entendia bastante de política e queria levar o Lula para o sindicato. Porque ele queria ser candidato, mas não podia, porque tinha uma outra pessoa da mesma fábrica que ele, que era candidato. E ele chamava o Lula para ir ao sindicato, o Lula dizia, não...a expressão do Lula: "não mas eu não tenho minha mãe na zona..pra ir fazer parte dessa porcaria, eu prefiro ficar em casa assistindo novela." Ele falava isso sempre. E o Frei Chico acabou arrastando o Lula pro sindicato e o Lula gostou, acabou gostando de ir nas reuniões, justamente porque tinha um debate, um debate de idéias muito intenso, um debate fervoroso. E dessa disputa inteligente, as contradições que ele, as visões diferentes que ele gostou, ele falava que aquilo parecia uma partida de futebol. Então aí ele começa a ter, pela primeira vez, um interesse pela política. Agora importante dizer, que o Lula nunca leu um livro clássico de esquerda, ele não foi leitor de Marx, ele não leu nenhum clássico e ele tem aquilo que eu te falei, ele tem aquela leitura direta da vida, ele tem uma grande mentora que é justamente a mãe dele, dona Lindú, que foi uma grande humanista. A ideia central é assim: o mundo tem que ser bom, e tem que ser bom para todo mundo. Então ele nunca foi um revolucionário de esquerda, ele não é isso. Ele é um revolucionário...por uma série de motivos, eu acho que ele fez uma revolução silenciosa. Mas não dentro de um padrão clássico, de destituir a riqueza de um para dar para outro, o que houve no Brasil foi, que houve um crescimento econômico, uma geração de riqueza que não havia antes, e essa nova riqueza foi preponderantemente pra essas classes menos...as dos despossuídos, mas não que se tirasse nada de alguém.

-Quem é Lula hoje?

Eu acho que é um sujeito que fez essa revolução silenciosa, que fez essa revolução não só no sentido de distribuir riquezas, de uma forma inédita, e que é reconhecida mundialmente, mas ele fez uma revolução simbólica. Ele de certa forma diz para todo o mundo o tempo todo: "o mundo é bom, as coisas são possíveis, a gente pode criar, a gente deve acreditar no futuro..." ele assim, é um grande humanista, é um homem...de quem todo mundo devia ter muito orgulho.

-Aprovação do governo

Eu acredito as pessoas sentiram uma série de coisas mudando na vida né? Elas tem...essas pesquisas de mercado demostram que as pessoas tem um otimismo muito maior pro futuro, pro futuro dos seus filhos, uma confiança muito maior...o Brasil é um país com contradições brutais, e tem coisas monumentais para serem feitas, resolvidas...não é que a gente chegou num ponto em que tá tudo maravilhoso, tem décadas de trabalho, mas as pessoas sentem que houve de fato alguma coisa nova acontecendo, e sentem que elas também são capazes de mudar a vida delas. Esse grande exemplo, desse personagem que sai de tão debaixo e que vai fazendo coisas de uma forma amorosa, sem  derramamento de sangue, sem grandes confrontos, sem grandes conflitos, essa espécie de revolução de paz e amor, eu acho que é uma coisa que o brasileiro gosta muito, porque o brasileiro não tem essa tradição de conflitos sangrentos né?A gente tem uma tradição de mais de acordos né? Então ele representa muito o Brasil.

-Capacidade de comunicação

Então eu conheço o Lula...em comício né? Falando em inaugurações de obras tal..e conheço o Lula em petit comitê...em pequenas reuniões intelectuais, o Lula não fala errado, o Lula tem um vocabulário super sofisticado, e muito bom, e se ele quiser falar de uma forma, digamos, acadêmica, um português mais correto, ele fala super bem, ele fala muito bem. Mas quando ele fala com a população, ele fala de um jeito mais simples, a população se identifica mais, então ele sabe usar exatamente, o tipo de linguagem que ele quer, na hora que ele quer. Isso é uma coisa que as pessoas acham que não, que ele engole “s”, ele engole quando ele quer, quando ele não quer ele não engole, ele sabe usar a linguagem exatamente no lugar certo.

-A expressão: "nunca antes na história desse país.."

Olha é bastante interessante..porque eu acho que ele sentiu na pele, na carne, na alma, o quanto de novo estava sendo construído agora, ele sabe muito bem, que muita coisa já foi feita...e que ele fala o tempo todo, “eu sou o resultado da evolução, do desenvolvimento de toda nação brasileira, se eu to aqui no poder, é porque houve um processo democrático”. Enfim, milhões de pessoas, trabalharam, morreram e lutaram por aquilo né? Mas quando ele fala, "nunca antes na história desse país.." houve tal coisa, eu acho que ele sente o peso que ele tem, esta questão de inaugurar, não só o novo modelo de desenvolvimento econômico, mas um novo modelo simbólico, eu acho que a grande revolução que ele faz também, é uma revolução simbólica, de incorporação das pessoas que estava de fora, dos excluídos, que é uma coisa absolutamente fantástica.



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