quarta-feira, 15 de junho de 2011

Entrevista com MÁRIO SÉRGIO CORTELLA - filósofo (11/2010)


MÁRIO SÉRGIO CORTELLA

-"Nunca antes na história deste país..."

Ela é bastante coerente em várias coisas, ela é deliciosa, porque ela expressa antes de mais nada, o entusiasmo de alguém que projetou um dia na sua história, a possibilidade de fazer várias das coisas que fez e acabou sem dúvida realizando ali, com orgulho, um projeto. Claro que a frase, quando ela passou a ser repetida em excesso se tornou mais que um bordão, algo que se tornou engraçado. Mas de fato ela guarda, uma semelhança muito forte com a realidade né? Há muitas coisas que nunca na história deste país, nós havíamos conseguido, e nisso o presidente pode de fato se orgulhar. Nem tudo do jeito que ele colocou, mas também nada de tudo como vários acharam que não era.

-Orgulho

Eu me orgulho imensamente de uma condição de ter colocado a nossa capacidade de olhar o futuro, de uma maneira diferente do que se tinha antes, é claro, que essa não é uma obra exclusiva do governo Lula, mas ela resulta sem dúvida da democracia brasileira que, ao se inaugurar de fato, de maneira mais direta com a eleição em 1989, ela teve uma sequência inédita na nossa história no bom sentido, imaginar que nós tivemos por exemplo em 1994, uma eleição que pôde levar, quase que ao segundo turno de fato, dois homens de bem, como Fernando Henrique e Lula, e depois de novo, quando a eleição vai se fazer no segundo mandado do Fernando Henrique, a possibilidade de se fazer a primeira eleição do Lula e a posse dele em 2003 e depois de novo em 2010 e por mais que se possa supor que havia um confronto de posturas essa é uma obra que também é do Lula junto com outros grupos que não estão hoje no poder, mas que consolidaram uma coisa muito bonita na nossa história um dia. Stefans Vaigh, que é um austríaco,  que escreveu um livro chamado " Brasil, o país do futuro", está certo que ele se suicidou no Brasil, na cidade de Petrópolis em 1943, mas ainda assim, aquilo que Stefans Vaigh escreveu no livro e que gerou depois uma série de histórias, de fato se cumpriu com muita força, a partir dos anos de 1990. Lula faz parte muito bem dessa história, e isso pra mim é uma alegria grande, porque ela expressa a condição de nós imaginarmos, que somos capazes e sendo capazes podemos fazê-lo e podendo fazer, nós devemos fazer se não, não é decente.

-Legado

O grande legado do governo Lula junto com a autoestima, é a capacidade de proteger a democracia, com todas as turbulências que aconteceram nesse processo, em nenhum momento nos últimos quinze anos, nosso país teve a sua democracia abalada. Nós somos um país, aliás, um dos poucos, em que o equilíbrio dos três poderes, de fato ele é forte. Aquele grande sonho do poder tripartite, executivo, legislativo e judiciário, ele nos últimos quinze anos, ele tem uma força muito grande, mesmo no início do governo do Fernando Henrique Cardoso, quando ainda havia uma transição, porque seria de fato, um primeiro mandado  que um presidente ia terminar, depois de eleito, ele trouxe uma grande consequência positiva, que Lula soube proteger. Isto é essa herança, de todo um processo de construção de uma democracia que foi protegida com o executivo funcionando no seu modo, com o legislativo tendo, como é usual na democracia seus tempos e contratempos, com o judiciário, as vezes tendo holofotes sobre ele, mas também fazendo julgamentos que até irritavam pessoas dentro do poder, isso é aquilo que traz uma beleza infinda e é isso que indica futuro.

-Ponto negativo

Acho que nós avançamos pouco ainda na distribuição da riqueza social, embora oito anos né? Ele seja um tempo curto até recuperar a trajetória extremamente negativa, como nós saímos do Brasil, de uma indigência muito forte, os últimos vinte anos, englobando parte do governo Itamar, parte do governo Fernando Henrique na sua totalidade de oito anos e depois o Lula, nós saímos dessa indigência no que se refere a distribuição da escolaridade, a distribuição do lazer, distribuição do acesso a um  consumo mais sofisticado, mas ainda assim, o que se poderia ter feito, ele significaria um avanço mais significativo na distribuição de renda. Acho que em grande parte isso se deveu, a necessidade de um ajuste das forças que compuseram o governo. Quer dizer, o poder, ele não é apenas o que se faz apenas pela vontade do governante, ela ajuda, mas não é suficiente, e algumas elites brasileiras, elas bloquearam né? Uma parcela desse processo mormente  no que se refere a algumas coisas ligadas a educação em relação a extensão né? Do valor, percentual do PIB, do produto interno bruto, aplicada na área educacional, que em grande parte, dependeria de uma reforma tributária que alcançasse também as grandes fortunas, então, isso pra mim é um ponto negativo. Eu estou entendendo negativo como aquilo que não foi feito e poderia ter sido avançado, não foi um ponto ruim, é aquele que ficou em débito, esse eu acho que foi um deles.

-O presidente Lula mexeu com você?

Eu acho muito bonito, quando alguém que é chamado pelo apelido, e um apelido até emanado, meio do operariado, do operariado brasileiro dos anos 60, alguém chamado Lula, e que depois será chamado de presidente Lula, porque uma coisa ia ser chamá-lo de presidente Luiz Inácio, ou dar a ele um outro tom. Nós somos muito informais no Brasil, e temos o costume de chamar as pessoas pelo primeiro nome, chamar de Mário, em vez de Cortella, e assim por diante. Nos Estados Unidos também se faz isso, chamava Bill Clinton, mas se falava presidente Clinton, ninguém dizia presidente Bill. Se você observar outros povos que fazem a utilização de apelidos em relação aos seus governantes máximos,  não deixam de utilizar o último nome. E aqui, o Lula, o Lula, o Lula...antes o FHC, essa informalidade, ela ao cair no colo do Lula foi absolutamente verdadeira e sincera, porque ele sempre teve esse estilo, estilo esse que em um primeiro momento, ele teve um ar meio negativo, porque ao entrar na presidência e ele chamar a si a atenção por vários instantes de que ele era alguém que não tinha estudado,  não tinha passado pela escola, mas tinha chegado onde chegou, isso teve um impacto ruim entre as crianças, depois ele corrigiu isso, porque ele tava passando uma mensagem de que alguém não precisa estudar, porque chega onde chegou e não é verdade. Ele precisou alterar o que disse e começou a dizer: Eu não pude estudar, e quereria tê-lo feito, ainda assim, eu que não pude ao chegar aqui, quererei que outros estudem. Isso me emocionou. Esta foi a grande emoção. Foi ter inclusive a humildade de corrigir a rota, invés de indicar o orgulho, pela ausência de escolaridade, indicar essa ausência de escolaridade, como uma real lacuna e como uma injustiça social que deveria ser sanada, isso sim, aí é um salto bastante forte.

-Legado para Dilma

Ela pega um Brasil que está em decolagem, em relação a posição econômica, a possibilidade de repartição da riqueza, a possibilidade de agregar...um novo grupo de consumo na sociedade de produção, mas ela pega também um Brasil num cenário internacional, no qual os confrontos serão cada vez mais significativos, porque se nós tivemos a primeira grande encrenca em 2008 em relação a quebra de mercados, apoiados nos Estados Unidos, da América do Norte, o próximo confronto será de natureza cambial, em relação a valorização e desvalorização das moedas, isso terá um efeito forte dentro do nosso país, portanto ela não terá, as grandes vantagens que o Lula teve no primeiro mandato, que foi de fato, ao pegar parte da estrutura montada pelo governo do Fernando Henrique Cardoso e poder levá-la de forma melhor adiante. E menos ainda o sossego, entre aspas,  que o Lula teve no segundo mandato, ao ter acertado em cheio em relação ao que fazer na crise de 2008.Porque quando o Lula nota com o seu grupo, que a crise era de crédito, e ele inunda o mercado brasileiro com crédito público, quase que retomando as medidas do Roosevelt, nos Estados Unidos, nos anos 30, isso vai ter um impacto forte na nossa sociedade. Dilma não terá bem essa condição, nós estamos sim na iminência de uma dificuldade maior no campo da economia internacional, talvez a China tenha batido no teto, não é a minha área, mas por leitura, a China tenha batido no teto, em relação a consumo de matéria prima que nós exportamos em grande quantidade e ela não terá a mesma tranquilidade mas ao contrário até do que alguns imaginam, e se dizia que ela não tinha experiência para disputar a eleição.
Mas ela não estava sendo eleita para ser candidata, quando você diz que alguém não tem experiência para disputar uma eleição, se ele passa pela experiência e é eleito, ele não vai mais ser candidato, ela estava sendo eleita para ser uma gestora,  e isso ela já era. Seja como ministra, seja com experiências anteriores em governos estaduais,  portanto, esse exercício ela desenvolverá. E claro, a grande, a grande alegria de imaginar que ela será em 510 anos de história, a primeira presidente, nem estou falando que ela é mulher, estou falando da primeira presidente, no caso o primeiro presidente no termo genérico, que receberá o poder de um presidente eleito, que terminou o mandato que também recebeu o governo de um presidente eleito que terminou um mandato. Nunca na nossa história, para usar uma frase clássica, nós tivemos 3 presidentes em sequência que um passou o mandato para o outro sem interrupção. E isso, em 510 anos de história. Outros países nem notariam isso, porque é meio óbvio, para nós não. 510 anos de Brasil, Dilma recebeu de um presidente eleito o seu poder, e este, que foi o Lula, recebeu também de um presidente eleito que foi o FHC, 3 em sequência, é muito bom.


- Aprovação de 80%

A gente precisa lembrar que Lula foi um homem do povo, no sentido popular do termo. Ele não é mais um homem do povo seja do ponto de vista de renda, seja pela condição de vida, isso não é um demérito, ele o fez com a sua carreira e trajetória. Mas quando se diz que Lula é um homem do povo talvez a gente queira dizer que Lula é um homem que, tendo vindo do povo ou do povão, ele entende o que é, ele participa, ele não carrega uma arrogância que uns e outros carregam. E isso ajuda muito à essa convivência. Essa grande popularidade que ele tem se origina do fato das pessoas de fato concretamente.. olha só, de fato as pessoas de fato concretamente, então é o real, elas terem encontrado nele uma alternativa de vida para a escolaridade dos seus filhos, para a possibilidade de ter um salário maior, houve um crescimento do emprego no Brasil, a gente tem algumas capitais hoje que têm pleno emprego que era uma coisa do Japão até os anos 1990. A gente tem a possibilidade das pessoas terem acesso a bens de consumo... claro que isso não é o paraíso mas é evidente que o que Lula fez e é isso que gerou nele essa grande expectativa, é ele ter anunciado um horizonte. Quase que dizendo, gente, pode ser assim! Vamos fazer e vamos sustentar desse modo. Não é uma obra individual, mas é uma obra que tem nele um grande mérito. É porque ele foi o condutor disso. Maquiavel um dia escreveu, e eu não estou dizendo que isso é maquiavélico, só estou citando o autor, escreveu lá no século XVI,que o príncipe, o condottiere, o gestor, o líder,  é aquele que consegue juntar duas coisas, a virtu e a fortuna, isto é, a capacidade com a ocasião. E Lula conseguiu, pegando uma economia estruturada também no governo FHC  e portanto um momento de decolagem nas nossas condições de sustentação, ele juntou a capacidade dele de articular, de agregar as elites, de fazer o discurso compreensível, e especialmente de falar por metáforas, e ao fazê-lo e trabalhando com parábolas, ele aproximou muito a compreensão das pessoas em relação ao exercício da presidência. E por isso eu não acho que agente vai ficar órfão, mas nós, sem dúvida,... como aconteceu sem fazer comparação lado a lado, em relação ao papa João Paulo II, que era uma simpatia, que convivia, que viajava, que esquiava, e que na modificação a gente sente saudade, então desse tipo de Lula, desse tipo de presidência, diferentemente de presidentes anteriores que muitas vezes eram um pouco mais sisudos, mais reservados, esse jeitão povão do Lula, a gente sem dúvida vai ter saudade. Agora, a herança que ele deixa, segue a presidente, não do mesmo modo, porque não é uma clonagem, mas sem dúvida, como uma grande herança.

-Citação marcante

Eu acho que há um conjunto de situações ... acho que ele exagerava um pouco ao fazer isso em excesso em relação ao futebol. Todas as horas eram metáforas futebolísticas, e o fato de ele torcer para um time que é o Corinthians, que nem sempre era o mais adequado para indicar o sucesso de todas as metáforas, talvez, em algum momento ele devesse ter trabalhado um outro tipo de situação para não cair nisso. Mas claro, até isso indicava a popularidade que ele trazia. O que eu tenho não é nenhuma das citações ou frases específicas que ele carregava, uma ou outra eram anedotárias e a gente ri lembrando delas até hoje como quando ele diz “Minha mãe que nasceu analfabeta” que é uma coisa que é uma figura de linguagem e até se tornou simpática quando a gente ouve, porque é uma coisa tão evidente, ainda sim, ao falar, ele não demonstrava uma tolice, ao contrário, ela se torna uma tolice, quando a gente olha depois. Qualquer um de nós em discursos faz esse tipo de coisa, mas ele teve várias coisas que foram muito emocionantes, o modo dele se referir à mãe, a idéia da família, a lealdade dele a homens e mulheres que o ajudaram na vida. O fato dele durante a ditadura militar ter deixado em vários momentos, de ter a sua liberdade exercida, e ele não perder essas conexões é algo que marca. Agora, não há nenhuma frase exclusiva que eu tenha guardado, exceto essas que ele fazia em relação ao Corinthians.

-Como fica Lula para a história

O Lula entra de uma maneira muito forte na nossa trajetória dos inícios do século XXI, nessa datação que usamos, como alguém que consegue colocar o Brasil numa rota que a gente tinha estado num determinado momento nos anos 1940 quando da industrialização brasileira, as companhias siderúrgicas, o sistema de transporte, as telecomunicações e isso voltou novamente no início dos anos 2000. Primeiro com o próprio FHC e depois com o Lula em relação à isso. É impossível desvincular um novo Brasil de fato, diferente e para melhor do que era sem que a gente pense na figura do Lula. Ademais ele tem algo absolutamente inédito,  ou seja, ele faz alguém que o sucede, levando a política na qual ele acreditava e implantou, isso não é algo usual na nossa trajetória, inclusive mais do que não usual, é inédito. Nós não tivermos isso, portanto em princípio, não é que nós vamos ter com Dilma 12 anos do governo Lula, mas 12 anos com princípios que Lula teve e que Dilma em princípio, também partilhava. Deste ponto de vista esta situação e circunstância na nossa trajetória vai fazer com que o Lula seja bem lembrado. Algumas pessoas poderão mal lembrar dele, o que ninguém ficará, ninguém, é indiferente.


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